sexta-feira, 17 de agosto de 2007

De S. Jacinto (Aveiro) a Esmoriz (12-08-2007)


1.É necessário saber que além de trabalho a vida deve ser vivida noutras vertentes. Refiro-me ao acto de viajar, de moto particularmente, que permite auscultar de perto a vida dos lugares, as suas gentes, os costumes, os monumentos, as paisagens e saborear a gastronomia, tudo isso potenciando o prazer que lhe está inerente. Viajar enriquece o espírito ! A vida é muito bem vivida se todos os momentos forem importantes. E ás vezes nem é preciso viajar para muito longe ! Basta percorrer algum dos muitos recantos deste país tantas vezes ignorados, mas de rara beleza e interesse, para quantas vezes nos assolar á memória um pensamento de autocensura: como é possível, aqui tão perto e nunca lá fui?!

2.Estou eu para aqui com estas tagarelices, afinal para relatar um passeio que me propus fazer no passado domingo, dia 12 de Agosto de 2007, na minha querida Honda CBF1000 e que consistia em “ desbravar as terras “ que nunca antes percorri, apesar de tantas vezes ter estado tão perto e que vão desde S. Jacinto, povoação situada imediatamente a norte do Forte da Barra de Aveiro, mas dela separada pela denominada Ria que se estende para norte até Ovar. Comecei esta minha modesta epopeia precisamente no Forte da Barra ( que fica na freguesia da Gafanha da Nazaré, Concelho de Ílhavo, Distrito de Aveiro, mais concretamente onde é a capitania do porto ), fazendo uma breve paragem junto do Navio Museu Santo André ( um barco bacalhoeiro comprado pela Câmara de Ílhavo, fundeado na barra, acessível a visitas diárias excepto à segunda feira ), para de seguida fazer a travessia no “Ferry Boat “ Cale de Aveiro a operar desde há pouco tempo no local, que veio quebrar significativamente o isolamento daquela localidade outrora piscatória, encurtando distâncias que por terra eram de cerca de 60 Kms em relação à sede do concelho. Ao que parece, 51 anos antes que foi feito um pedido nesse sentido ao Ministério das Obras Públicas, pelo então governador civil de Aveiro, Valle Guimarães, ainda em pleno Estado Novo ! Mas enfim…

3. Tive a sorte de chegar no exacto momento que o Ferry estava para partir. As pessoas subiam e os carros, em bicha, iam sendo carregados. Perguntei a um funcionário como era, disse-me que de mota não precisava de estar na bicha e para dirigir-me ao colega que estava mais à frente a vender os tickets aos automobilistas á entrada do barco, o que fiz, tendo este dado ordem para avançar de imediato que depois iria falar comigo, o que aconteceu, vindo a pagar-lhe o bilhete durante a viajem ( só de ida: 2€ para a mota + 1,20€ cá do rapaz, não residente ). A mota viajou no descanso central, sem quaisquer amarras, em pleno corredor central formado pelas duas filas de automóveis que ocupam a sua largura. O barco é tão pesado que “não torce nem amola” durante a viagem, que dura no máximo uns 10 minutos, posto que as águas estivessem até agitadas pelas correntes da maré. Durante a curta viagem sente-se um raro prazer que é o de viajar de barco, como se fôssemos para terras longínquas … no rosto dos passageiros transparece um sorriso de felicidade e contentamento. Alguns saem dos carros para apreciar no exterior.

4. Saí do ferry a cavalo na mota a trabalhar para o cais de atracagem. Num ápice estava na rua marginal de S. Jacinto. Por ali havia muita gente a passear tranquilamente na marginal da ria, onde se respirava uma brisa marítima muito agradável, com muitos pescadores a pescar, com as suas canas de pesca em riste e as chumbadas fundeadas na ria. O quê não me perguntem, pois só sei que de entre dezenas ou centenas de canas de pesca, para lá dos limos que às vezes vêm agarrados e que as torcem pressagiando alguma boa pescaria não vi um só peixe pendurado nos anzóis. Mas enfim, a pesca é para pacientes. Para sul, ao longe, para lá da imensidão das águas esverdeadas da ria, avistam-se os edifícios da cidade de Aveiro e o Porto Comercial. Respira-se um ar fresco e a tranquilidade é assombrosa. Os cafés marginais estão apinhados de gente. Na pequena marina local encontravam-se fundeados vários barcos tão peculiares da região, os barcos moliceiros, pintados na proa e popa, com desenhos característicos de cores garridas, com figuras contornadas a preto, que são uma verdadeira arte popular, que se reflectem na água, transmitindo-lhe tons coloridos e ondulantes. A temática destes desenhos é, umas vezes, humorística; outras, crítica social, recorda factos históricos ou apresenta cenas de devoção religiosa. S. Jacinto é hoje vila e sede de freguesia, contando com uma base militar de paraquedistas da tutela do Exército com a denominação de Área Militar de S. Jacinto. A norte do lugar ficam localizadas as Dunas de S. Jacinto, tendo o oceano Atlântico a poente e um dos braços da Ria de Aveiro a nascente.

5. A indispensável lenda.Nos séculos mais recuados da História, o zona era conhecido por Areias, por ser desolada e imprópria para ser habitada, nunca foi alvo de forte movimento povoador, sabendo-se que no século XVIII apenas contava com dois moradores permanentes. Os que a demandavam eram essencialmente os pescadores. Integrada até meados do século XIX na jurisdição religiosa do pároco de Ovar, a freguesia viu abrirem-se novos horizontes em 1856 ao ver transferia a essa jurisdição, por ordem do bispo do Porto, para a paróquia da freguesia da Vera Cruz, na cidade de Aveiro. A proximidade á nova sede e a actividade e interesse então trouxeram novos ventos para S.Jacinto. Assim em 1888, realizou-se a plantação da sua hoje protegida mata de S.Jacinto, que permitiu fixar as dunas e o aproveitamento de terrenos incultos, mais alagados e húmidos.Porém isso não quer dizer que o lugar das Areias fosse desconhecido. Toda a gente das redondezas estava a par da sua fama. Porquê ?Por um único motivo, a existência da ermida dedicada à Senhora das Areias. Dentro dela se encontrava uma imagem milagrosa e de muita romagem: A Nossa Senhora da Conceição. Uma lenda esteve na base da construção da ermida, que segundo documentos, já existiria no século XV. Conta essa lenda que num certo dia entrou pela barra dentro um casco de navio que encalhou na costa das Areias, no interior do qual se descobriu uma pequena imagem da Nossa Senhora. Tal foi tido como motivo para a construção da ermida nesse local, a mando, segundo a tradição, do Cabido do Porto , na época o senhorio da região a quem cabia a dízima do pescado. Posteriormente, ao lado terá sido erguido um cruzeiro em 1584, que servia de ancoradouro de franquia das naus que demandavam o canal. Actualmente a ermida é a igreja matriz da freguesia.

6. Resolvi arrancar para norte, não sem antes passar pela Praia de S. Jacinto, de bandeira azul, areias douradas, claras e limpas. As águas do mar também parecem muito límpidas e puras. Há hora que ali passei, pelo número de banhistas, fica-se com a impressão de tratar-se duma praia pouco frequentada, logo recomendada a quem não gosta de grandes confusões. Bom, prossegui na minha rota pela N327, passando pela Torreira, povoação elevada a vila desde 1997. A Torreira faz parte do cordão litoral que se estende desde S.Jacinto até ao Furadouro(Ovar), numa extensão de cerca de 25Km, situada entre o Mar e a Ria, a 10Km por estrada da sede de concelho, a Murtosa. Apesar de todo o progresso tecnológico aqui se teima em praticar uma das artes mais antigas e típicas da região: a arte da xávega. A N327 margina a Ria, sendo uma estrada de bom piso asfáltico, totalmente plana, propiciando o desfrute duma singular paisagem, á esquerda o pinhal, à direita a ria. Há que abrir o capacete para respirar o ar fresco e o vislumbre da paisagem. À direita da N327, na Torreira, em plena ria somos surpreendidos uma invulgar marina: só barcos moliceiros, de cores múltiplas e garridas. É irresistível e a paragem é obrigatória. Qualquer fotógrafo encontra ali um bom motivo. O curioso é que na proa destes barcos, há alguns que ostentam a imagem de N. Senhora. Após fotos, rumei na direcção do centro, tendo apreciado a praia de extenso areal, limpo e dourado, mas muito frequentada. Estacionei a mota e fiz uma visita a pé pelas calçadas marginais e central. Uma enchente de gente, naturalmente, por ali saboreava o fim de tarde, de férias ou de domingo. Após a ronda, prossegui pela EN327 até ao Furadouro, Ovar, passando pelos lugares de Quintas do Sul, Quintas do Norte e Torrão do Lameiro. No Furadouro, fiz um passeio pela grande calçada marginal. Tudo belo e muito bem arranjado e a praia, imensa e limpa. Grande densidade de visitantes, também. O relógio já marcava 19.20H, ainda havia sol no horizonte a recomendar o regresso a casa, bastando atravessar Ovar. Mas dali até Esmoriz não seria longe e também porque só em teoria conhecia esta terra, decidi continuar para norte, passando ainda pela praia da Maceda. Finalmente cheguei a Esmoriz e, sem me aperceber, havia apanhado uma rua que deu exactamente para um bairro, aparentemente modesto e pobre, sendo olhado de soslaio por alguns indivíduos, de pele requeimada pelo sol e com um aspecto pouco simpático. Bem, lá dei com a rua que dava para o centro e aí sim, uma zona bem mais rica, com edifícios novos e modernos. Procurei pela marginal, onde estacionei, para tirar mais umas fotos, desta e da praia, também esta de areal imenso, dourado e limpo, com Espinho no horizonte a vislumbrar-se lá mais para norte. Não me vou alongar mais, senão isto nunca mais acaba, mas dei esta rota terminada em Esmoriz, tendo regressado, pela EN109 até Aveiro e daqui, pela A1 onde saí no nó de Condeixa-a-Nova. Foi assim mais uma rota aos comandos da CBF a descobrir este Portugal, por uma região tão bela, afinal aqui tão perto … e tão longe !

Sem comentários: