sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Passeio pela Batalha, S. Jorge e Aljubarrota, 622 anos depois.


1.Na passada terça-feira, dia 14/08/2007, da parte da tarde, parti de moto para terras que dispensam de apresentações e situadas no Distrito de Leiria. Não é possível compreender o significado dum passeio desta índole sem ter presente a história. Sem uma bagagem minimamente apetrechada não é possível apreciar e valorizar o significado dessa batalha e dos monumentos que ainda hoje pontificam no local. Direi mais, sem conhecimentos prévios da história, os passeios passam a ser “toscos”, sem significado, limitando o observador “a ver pedras e paredes “. Por isso o nosso imenso prazer de viajar de moto de mão dadas com a história.

2. Naquele dia celebrava-se o 622º aniversário da Batalha de Aljubarrota. Como todos sabem, a mesma decorreu no final da tarde de 14 de Agosto de 1385, entre tropas portuguesas comandadas por D. João I de Portugal e o seu condestável D. Nuno Álvares Pereira e o exército castelhano de D. Juan I de Castela. A batalha deu-se no campo de S. Jorge, nas imediações da vila de Aljubarrota. O resultado foi uma derrota definitiva dos castelhanos e o fim da crise de 1383-1385 e a consolidação de D. João I como rei de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis.

3. Que crise foi essa de 1383-1385 ?Como todos sabem também, essencialmente um grave problema de sucessão dinástica, suscitada pela morte do rei D. Fernando I ( 9º Rei de Portugal ), que no ano de 1383 estava a morrer...

a)D. Fernando sucedera no trono ao rei D. Pedro I, seu pai, ( D. Pedro era filho de Afonso IV ). D. Pedro foi o rei apaixonado D. Inês de Castro, a bela aia galega da sua mulher Constança. Inês acabaria assassinada por ordens do rei em 1355, mas isso não trouxe Pedro de volta à influência paterna e nunca lhe perdoou o assassinato de Inês. Uma vez coroado rei, em 1357, Pedro anunciou o casamento com Inês, realizado em segredo antes da sua morte e a sua intenção de a ver lembrada como Rainha de Portugal. Dois dos assassinos de Inês foram capturados e executados (Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves) com uma brutalidade tal (a um foi arrancado o coração pelo peito, e a outro pelas costas), que lhe valeram os epítetos o Cruel, Cru ou Vingativo. Conta também a tradição que Pedro teria feito desenterrar o corpo da amada, coroando-o como Rainha de Portugal, e obrigando os nobres a procederem à cerimónia do beija-mão real ao cadáver, sob pena de morte. De seguida, ordenou a execução de dois túmulos os quais foram colocados nas naves laterais do mosteiro de Alcobaça para que, no dia do Juízo Final, os eternos amantes, então ressuscitados, de imediato se vejam...D. Pedro I teve três casamentos (incluindo D. Inês ), havendo sete filhos e ainda mais um fruto duma relação amorosa, no pós assassinato de Inês de Castro, com uma tal Teresa Lourenço, jovem lisboeta, filha de um mercador de nome Lourenço Martins. Dessa relação nasceu, em 14 de Agosto de 1356, um jovem a quem foi posto o nome de D. João, que o pai viria a confiar à guarda do avô, a fim de o educar e tornar cavaleiro, tendo-o mais tarde feito Mestre de Avis (não esquecer este pormenor ).Por morte de Pedro sucedeu-lhe o seu filho varão, D. Fernando ( D. Fernando I ) do casamento com a sua mulher ( legítima) a princesa D. Constança de Castela.

b) Mas chegados a 1383 D. Fernando I estava a morrer sem um filho varão que herdasse a coroa, havendo do seu casamento com Leonor Teles de Menezes apenas uma rapariga, Beatriz de Portugal, que havia sobrevivido à infância. O seu casamento era portanto da mais vital importância ao futuro do reino. As várias facções políticas discutiam entre si possíveis maridos, que incluíam príncipes ingleses e franceses. O casamento de D. Beatriz acabou por ser decidido como parte do tratado de paz de Salvaterra de Magos, que terminou a terceira guerra com Castela, em 1383. Pelas disposições deste tratado, o rei João I de Castela (Juan I ), casar-se-ia com D. Beatriz e o filho varão que nascesse desse casamento herdaria o reino de Portugal, se entretanto D. Fernando I morresse sem herdeiros. O casamento foi celebrado em Maio de 1383, mas não era uma solução aceite pela maioria dos portugueses, uma vez que implicava a união dinástica de Portugal e Castela e consequente perda de independência. Muitas personalidades quer da nobreza, quer da classe de mercadores e comerciantes estavam contra esta opção, mas não se encontravam unidos quanto à escolha alternativa. Dois candidatos emergiram, ambos meios irmãos bastardos do rei moribundo D. Fernando: - João, filho do Rei Pedro I de Portugal e Inês de Castro, a viver no momento em Castela;- João, Grão-Mestre de Aviz, o tal filho ilegítimo de Pedro I ( portanto meio irmão de Fernando ), fruto da relação deste com a amante Teresa Lourenço, aia de Inês de Castro, muito popular junto da classe média e aristocracia tradicional;A 22 de Outubro de 1383, Fernando de Portugal morre. De acordo com o contrato de casamento de Beatriz e Juan I de Castela, a regência do reino é entregue a Leonor Teles de Menezes, agora rainha viúva. A partir de então, as hipóteses de resolver o conflito de forma diplomática esgotaram-se e a facção independentista tomou medidas mais drásticas, iniciando a Crise de 1383-1385.Porém iniciaram-se as hostilidades e o primeiro acto foi tomado pela facção do Mestre de Aviz em Dezembro de 1383. D.João, Mestre de Avis e um grupo de conspiradores entram em Lisboa e assassinam o Conde Andeiro, amante e aliado político de Leonor Teles de Menezes, um dos principais orquestradores do casamento de Beatriz com o rei João I de Castela. Com esta iniciativa, D.João, Mestre de Avis torna-se no líder da facção separatista e chama para o seu lado Nuno Álvares Pereira, um líder militar com provas dadas. Juntos tomam as cidades de Lisboa, Beja, Portalegre, Estremoz e Évora. Como resposta, o rei Juan de Castela entra em Portugal e ocupa a estratégica cidade de Santarém, numa tentativa de normalizar a situação e assegurar o trono de sua mulher. A primeira vítima política é Leonor Teles de Menezes, que se provara uma regente pouco enérgica e incapaz de parar as conquistas da facção independentista. Juan I força a sogra a abdicar da regência e exila-a para um convento.

c)A resistência portuguesa e o exército castelhano encontram-se pela primeira vez a 6 de Abril de 1384, na batalha dos Atoleiros. Nuno Álvares Pereira soma mais uma vitória militar para a facção de Aviz, mas o confronto não é decisivo. Juan I de Castela retira para Lisboa e cerca a capital, com o auxílio da sua marinha que bloqueia o porto da cidade e controla o Tejo. O cerco era uma séria ameaça à causa de João de Aviz, uma vez que sem Lisboa, sem o seu comércio e dinheiro dele afluente, pouco podia ser feito contra Castela. Pelo seu lado, Juan I precisava de Lisboa não por razões financeira, mas por motivos de ordem política, uma vez que nem ele nem Beatriz haviam sido coroados e sem esta importante cerimónia, eram apenas pretendentes à coroa.Entre o fim de 1384, princípio de 1385, Nuno Álvares Pereira subjugou a maioria das cidades portuguesas que haviam declarado apoio à princesa Beatriz e ao marido Juan I de Castela. Durante a Páscoa, chegaram a Portugal as tropas inglesas enviadas em resposta ao pedido de ajuda feito por João de Aviz. Apesar de não serem um grande contingente, contavam-se à volta de 600 homens, eram tropas na sua maioria veteranas da Guerra dos Cem Anos, bem treinados nas tácticas de sucesso da infantaria inglesa. Com tudo a jogar a seu favor, João de Aviz organizou uma reunião das Cortes em Coimbra, juntando todas as figuras importantes do reino. É aí que, a 6 de Abril, foi aclamado João I, Rei de Portugal, primeiro da Dinastia de Aviz, num claro acto de guerra contra as pretensões castelhanas. Num dos seus primeiros éditos reais, João I nomeia Nuno Álvares Pereira Condestável ( quer dizer, chefe de todos os exércitos ) de Portugal e protector do reino.

d) Em Castela, Juan I não hesita em responder ao desafio, enviando, pouco depois da aclamação de Coimbra, uma expedição punitiva a Portugal. O resultado é a batalha de Trancoso em Maio, onde as tropas de João I obtêm uma importante vitória. Com esta derrota, o rei de Castela percebe por fim que necessita de um enorme exército para pôr fim àquilo que considera uma rebelião. Na segunda semana de Junho, a maioria do exército de Castela, comandado pelo rei em pessoa, acompanhado por um contingente de cavalaria francesa, entra em Portugal pelo Norte. Desta vez, o poder dos números estava do lado de Castela: Juan I contava com cerca de 30000 homens, para os apenas 6000 à disposição de João I de Portugal. A coluna dirige-se imediatamente para Sul, na direcção de Lisboa e Santarém, as principais cidades do reino.
Entretanto, João I e o Condestável encontravam-se perto de Tomar. João I decide interceptar o inimigo nas imediações de Leiria, perto da vila de Aljubarrota.

e)A 14 de Agosto, o exército castelhano, bastante lento dado o seu enorme contingente, encontra finalmente as tropas portuguesas, reforçadas com o destacamento inglês. O resultado deste encontro será a Batalha de Aljubarrota, travada ao estilo das batalhas de Crecy e Azincourt, onde a táctica usada permitia a pequenos exércitos resistir a grandes contingentes e cargas de cavalaria. O uso de archeiros nos flancos e de armadilhas ( Covas de Lobo e fosso) para impedir a progressão dos cavalos, localizadas em frente à infantaria, constituem os principais elementos. O exército castelhano não foi só derrotado: foi totalmente aniquilado. As perdas da batalha de Aljubarrota foram de tal forma graves que impediram Juan I de Castela de tentar nova invasão nos anos seguintes.Com esta vitória, João I foi reconhecido como rei de Portugal, pondo um fim ao interregno e à anarquia da Crise de 1383-1385. O reconhecimento de Castela chegaria apenas em 1411 com a assinatura do tratado de Ayton-Segovia. A aliança Luso-Inglesa seria renovada em 1386 no Tratado de Windsor e fortalecida com o casamento de João I com Filipa de Lencastre (filha de João de Gaunt). O tratado, ainda em vigor, estabeleceu um pacto de mútua ajuda entre Inglaterra e Portugal..

4. Na Batalha comecei por visitar o Mosteiro... O Convento de Santa Maria da Vitória (mais conhecido como Mosteiro da Batalha) foi mandado edificar por D. João I como agradecimento do auxílio divino e celebração da vitória na Batalha de Aljubarrota. É considerado património mundial pela UNESCO e em 7 de Julho de 2007 foi eleito como uma das sete maravilhas de Portugal. A sua construção começou em 1387 ou 1388 e estendeu-se até cerca de 1533, mobilizando fortes recursos humanos e materiais.É, de facto, uma obra grandiosa, uma maravilha e duma grande beleza arquitectónica. Nesta altura os turistas acorrem ao local aos milhares. O monumento encontra-se a ser objecto de obras de restauro que limitam seriamente o interesse da visita ( andaimes de ferro com panais a tapar !). O melhor será mesmo aguardar por uns tempos para depois lá voltar quando terminarem. Mesmo assim visitei a Capela Mor e a Capela do Fundador onde se encontram os túmulos de D. João I, D. Filipa de Lencastre e de seus filhos, denominados por Camões de "ínclita geração".Imponente também a enorme estátua de D. Nuno Álvares Pereira em cima do cavalo, este devidamente provido com “tudo” no sítio.

5. Depois de visitar a Batalha, regressei de novo ao IC2 em direcção a Lisboa, a cerca de 2 kms encontra-se São Jorge., onde pretendia visitar o museu militar e a capela. O campo fronteiro ao Museu, encontrava-se em obras e, este, encerrado ao público, estando a decorrer os trabalhos, tudo isto, no preciso dia do aniversário da Batalha… Acho que fica mal e o dia deveria ser respeitado.Fiz então a visita à Capela de S. Jorge. Foi implantada no sítio onde, no dia da batalha, a 14 de Agosto de 1385, D. Nuno havia depositado o seu estandarte. O local escolhido não foi um acaso, pois nas manobras de posicionamento dos exércitos, a hoste comandada pelo Condestável havia encontrado esta "pequena elevação com visibilidade técnica sobre o campo de batalha.

6. Regressando ao IC2 segui para sul até encontrar, logo após São Jorge, uma saída à direita para Aljubarrota ( e Alcobaça), pela EN8.Percorrer cerca de 5 Kms até chegar à Vila de Aljubarrota. Uma vez chegado á placa da localidade, estacionei junto a um largo duma igreja, cujo acesso à rua interior estava vedado. Porquê ? Porque se encontrava a decorrer o evento “Aljubarrota Medieval “. A partir daqui iniciei o percurso pedestre pela vila.

a)A povoação conserva a traça antiga de natureza histórico-medieval, com prédios caracterizados pelo uso de cantarias, colunas, janelas de geometria vária, cor branca nas paredes e volumetria que não ultrapassa o primeiro andar. A vila é rica em motivos arquitectónicos, memórias históricas e pedras ancestrais, que constituem um museu vivo da História portuguesa.Ex-libris de Aljubarrota é o Largo do Pelourinho, constituído pelo pelourinho, torre sineira isolada e casas das Juntas. Mais á frente á esquerda numa Rua, num largo, fica a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, o mais antigo monumento de Aljubarrota e o de maior relevo histórico, pois aqui rezou D. Nuno Álvares Pereira, antes da batalha.Neste largo fica também a Casa dos Capitães, um belo edifício do século XVIII com janelas aventaladas, cuja reconstrução, constante de uma lápide é de 1779.Situada na Rua Direita fica a Casa dos Carvalhos, edifício do século XVIII, de acordo com a data de 1778 que encima uma das portas.Na praça Brites de Almeida, enquadrada pelo conjunto constituído pela Casa do Celeiro e ruínas da Casa da Padeira, fica a estátua de Brites de Almeida ("a estátua da Padeira"). Na parede da casa do Celeiro, diversos azulejos pintados lembram os oragos e vários motivos de Aljubarrota. O povo de Aljubarrota guarda a sua pá em ferro martelado coevo. Pode ser vista na casa solarenga da família Carreira, descendente dos Capitães de Aljubarrota, na Rua Direita.

b) Neste passeio pedestre pelas ruas, fui então admirando os figurantes que deambulavam por ali, uns pela a pé, outros, sentados juntos de tendas, aposentos, currais etc. etc. Enfermo, malabaristas, músicos, comerciantes, artesãos, lenhadores, petiscos medievais, taverna e muita animação a cargo de muitos figurantes.O que mais me surpreendeu foi a sua atitude, parece que ali se encontram em plena idade média, andam metidos na sua vida e não ligam aos transeuntes, não dialogam, como se nós, fôssemos os observadores ali caídos no tempo para os ver. Andam na sua vida, algures no tempo e na tranquilidade, sem pressas, até porque nem sequer havia relógios. FASCINANTE !O único diálogo que tive, foi numa taverna, dentro dum quintal térreo, revestido de palha, onde havia mesas e bancos, ao lado uma cavalariça e um guarda medieval, sítio em parte enublado pelo fumo que brotava do lume onde se assavam umas viandas. Então entrei e pedi uma “ cevada “, tirada dum barril disfarçado ( a não ser que naquele tempo já tivesse cerveja de barril tirada com gás ) servida num copo de barro fresquinho, tão saborosa…
Assisti também a uma cerimónia de descerramento dum busto em homenagem a Eugénio dos Santos. Fiquei a saber que Eugénio dos Santos nasceu em Aljubarrota, em 1711, e foi o autor do projecto da reconstrução da Baixa Pombalina, em Lisboa, após o terramoto de 1755. A sua obra, o Terreiro do Paço e a Baixa, permanece.
Terminei o passeio, eram para aí umas 20.30H, tendo rumado para norte na direcção do IC2, para rumar direito a casa.
Mais um belo passeio a descobrir Portugal e a sua história, em moto. Deixo aqui o testemunho desta viagem ( fotos ) que com muito prazer venho partilhar com a comunidade virtual em geral e a cbfista muito particularmente.Peço desculpa pelo longo texto, mas não tive tempo para escrever em menos …

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